a expressão contos de natal ou qualquer coisa muito natalina sempre me passa uma impressão terrível de algo aborrecido, enfadonho, apelativo, choramingante, etc. mas quando a história é boa e a habilidade do sujeito ao narrá-la pega o leitor, não há tema suficientemente aborrecido. esse conto de natal do mário de andrade é delicioso e divertido, ao menos pra mim que tive também pai desmancha-prazeres. aliás, como ele diz no conto, o puro-sangue dos desmancha-prazeres! só meu pai não era do mesmo tipo, mas enfim, não importa. desmancha-prazeres é um bicho que causa efeitos semelhantíssimos. o conto traz imagens de sentimentos e cenas familiares de eventos em família que são divertidas e escritas genialmente. vale a pena ler todo aqui. abaixo, algumas saborosas pinceladas. ah, a dica foi do sérgio rodrigues, do todoprosa.
Morreu meu pai, sentimos muito, etc.
A dor já estava sendo cultivada pelas aparências, e eu, que sempre gostara apenas regularmente de meu pai, mais por instinto de filho que por espontaneidade de amor, me via a ponto de aborrecer o bom do morto.
E ficaram logo naquele ar de incenso assoprado, se não seria tentação do Dianho aproveitar receita tão gostosa. E cerveja bem gelada, eu garantia quase gritando.
Principiou uma luta baixa entre o peru e o vulto de papai. Imaginei que gabar o peru era fortalecê-lo na luta, e, está claro, eu tomara decididamente o partido do peru. Mas os defuntos têm meios visguentos, muito hipócritas de vencer: nem bem gabei o peru que a imagem de papai cresceu vitoriosa, insuportavelmente obstruidora.
Eu nem comia, nem podia mais gostar daquele peru perfeito, tanto que me interessava aquela luta entre os dois mortos. Cheguei a odiar papai. E nem sei que inspiração genial, de repente me tornou hipócrita e político.
Era uma felicidade maiúscula, um amor de todos, um esquecimento de outros parentescos distraidores do grande amor familiar.
Monday, December 24, 2007
quem conta um conto...
Posted by joice at 8:42 pm
Labels: conto de natal, mário de andrade, todoprosa
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4 comments:
Muito bom! Gosto daquilo que lida com a morte de forma não-convencional. E eu estou com um peru no meu estômago! Pela antropofagia, poderia ser até meu pai. huaaa!
:))))
no meu estômago, não. jamais seria meu pai. eu já teria me engasgado.. hehehe.
Meu pai tava mais para sobremesa... Pudim de cachaça! Mas sei lá, não lembro, não conheci o velho direito. E nessa época de Natal eu bebo para esquecê-lo.
phl
é paulo? eu, pelo mesmo motivo, lembro dele é mais quando bebo. mas é só por um instante. depois, sei lá, passa.
beijo.
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