São 18 horas. Abancado na cadeira de pedra do Aquário, tomo um café enquanto meu olhar perdido observa os que passam. Toda vez que sento aqui é a mesma coisa, como passa gente esquisita por esta calçada. Sempre tenho a impressão de que algumas pessoas existem apenas para passar por aqui, suas existências começam na rua XV e terminam junto com o fim desta calçada, na rua Sete, ou vice-versa. A mulher de camisa rosa-maravilha com gola e punhos brancos, calça jeans com costura retorcida, botas brancas e fita roxa nos cabelos. O velho baixote com o dedo enfiado no nariz e olhar de quem não quer saber. A criança que passa me olhando, sendo puxada pela mão firme e distraída da mãe que observa pessoas e vitrines. A moça toda arrumada e maquiada, nem ao menos um fio de cabelo fora de lugar, tão perfeita, tão feia, tão plástica. O vendedor de loterias com gestos e olhares iguais aos que fazia há trinta anos. A velha mendiga com uma lata enferrujada na mão, mastigando uma bagana amarelada no canto da boca, traz um saco cinza nas costas. O vendedor ajeita os cadernos do jornal de domingo que já estão chegando, mais um homem pergunta e ele responde, não, ainda não chegaram todos os cadernos, daqui a meia hora. Os carros fazem a curva devagar, alguns passam sérios com ar de concentração, talvez pressa, sem olhar, outros não se importam em ser vistos com os olhos dentro do Café, a buscar alguéns no balcão, nas mesas. Tudo isso é ilusão ou existe mesmo? Esta cidade, esta gente... aí volta aquela sensação de irrealidade que me invade sempre nesta parte do raciocínio, uma náusea a acompanha, dá vontade de gritar, socorro, alguém aqui sabe me dizer o que está acontecendo. Mas não, fico mudo, controlando o olhar, as mãos fazendo gestos automáticos, sem mais procurar respostas para estas e outras perguntas que já nem me faço. Tiro a carteira do bolso da calça, verifico a conta, sigo até o balcão. Junto com o dinheiro, entrego à moça do caixa todos estes pensamentos. Ela só me alcança o troco, sem me ver, os olhos já atendem outro cliente. Sigo vazio até a porta e quando a ultrapasso já não sou mais aquele do Café. Outros pensamentos, minha vidinha miúda outra vez. A conta do banco, a prova de história da arte, aquela menina que não telefona, o filme que saiu de cartaz antes que eu pudesse assistir, o livro que vou agora comprar ali na feira...
miniconto 31, de outubro de 2003. agora revisto e encurtado.